VALPEDRE
O NOSSO CAMPEÃO
Não
sei se este escrito lhe vai cair nas mãos, mas o que eu sei é que há
muito que lhe devo estas linhas. Estou plenamente convencido, que com o
nosso crescimento físico e intelectual, os nossos ídolos vão sendo
renovados. Mas se esta renovação pode ser feita sem grandes
dificuldades, já esquecê-los é mais difícil. Se me dão licença vou falar
do meu primeiro ídolo “O Valpedre”.
Decorriam
os anos 60 e a Escola Técnica abria pela primeira vez as suas portas em
Penafiel. A nível de ensino, a cidade ficava apetrechada com o Colégio
do Carmo e a nossa Escola Industrial.
Ora
as olimpíadas estudantis está fácil de ver que se disputavam entre
estes dois estabelecimentos de ensino, vendo cada um no outro o seu
rival ou adversário como lhe queiram chamar. Evidentemente que os
colegas do Colégio do Carmo já tinham experiência e treino (dado pelo
Sargento Lima), ou como se diz na gíria traquejo nestas andanças. Assim
conheciam todas as manhas e truques a aplicar nas várias modalidades.
Por
outro lado, os da Escola Industrial faziam das tripas coração, para
contrariarem toda esta tendência de vitória antecipada. Para os leitores
terem uma ideia dessas dificuldades, vou-lhes relatar um exemplo: os
mais matulões como possuíam mais cabedal, eram escolhidos para o
lançamento daquela esfera de ferro, chamado de peso. Acontece que nem
isso existia na escola e o lançamento do peso era treinado com um
paralelipípedo desses das nossas estradas. O Chico Ramelau (de apelido),
natural de Vila Cova, que tinha força como um burro, lá colocava o
paralelo nos queixos e depois de rodopiar lá o lançava. Só que nestas
coisas, além da força, é preciso jeito para o fazer voar e isso era
coisa que ele não possuía. E por mais apelos que o Chico fizesse aos
seus músculos, mal a esfera saía da sua mão, parece que a força da
gravidade triplicava.
Já
perto do final e de a Escola Industrial acumular derrota atrás de
derrota, eis que chega a prova de corta-mato. Aí todos partiam juntos,
mas à chegada claro estava que apenas se via um, sozinho, isolado sem
ninguém. Esse era o nosso herói, o nosso campeão, o nosso ídolo, “O
Valpedre”. Entrava no estádio e a malta toda de pé aplaudia enquanto o
nosso amigo com os braços no ar e todo sorrisos, cortava a meta e
salvava assim a honra do convento que neste caso era da Escola
Industrial. Corríamos a abraçá-lo, enquanto os mais matulões o levavam
aos ombros, isso porque nesta altura a cantilena do “Olé, olá, o
Valpedre é o melhor que há”, era desconhecida, senão lá estaríamos nós a
trauteá-la, ou então aquela utilizada pelas claques desportivas do “e
quem não salta é …(aquela coisa que não se diz e que todos sabem e ronda
o nível abaixo de raso). Bem, mas enquanto o Valpedre era a razão do
nosso contentamento, o Sargento Lima de cronómetro enfiado nos dedos, lá
media os segundos e os minutos de atraso que trazia o seu 1º pupilo,
quando chegasse à meta. É que por mais voltas que ele desse nos treinos,
os seus instruendos não tinham canetas que chegassem aos calcanhares do
Valpedre. Claro está que o grande campeão Valpedre, não saía em letras
garrafais nos jornais, não se via na televisão, nem se ouvia na rádio.
Isto é o que se pode chamar “um ídolo para consumo caseiro”.
Depois
da Escola fomos à vida. De certeza que o Valpedre já atingiu algumas
metas, embora para tal tenha sentido muitas vezes o sabor amargo da
derrota.
Mas,
não o estou a ver a usar o “doping da cunha”, ou do “Partido”, para
fintar ou ultrapassar os outros atletas de todos os dias, nem justificar
os infortúnios com o “Sistema”, que é uma coisa que não se vê, mas se
sente no dia-a-dia e aonde cabem todas as injustiças e desculpas. Nada
disso! O meu ídolo não pode descer tão baixo, e tal como outrora joga
limpo, sempre de cara levantada e sorriso nos lábios.
Embora
o esteja a imaginar agora com uns quilitos a mais na pele, com os
colesteróis e os ácidos úricos a atrapalhar, mais dia, menos dia, temos
que fazer o salto em altura para os braços do Criador.
Mas se Deus quiser, ainda teremos muitos e bons anos para treinar essa nova modalidade.
Até lá, um abraço e um Até Sempre Campeão.
Nota
– Acontece que o nosso amigo Valpedre leu este escrito, e lá me enviou
duas medalhas não só para ilustrar este texto, como para confirmar os
seus feitos.
Extraído do blogue "Penafiel Terra Nossa"
de Fernando José de Oliveira
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