MANIFESTAÇÃO
DE 6 DE MAIO DE 1974
Em 6 de Maio de 1974 o «Jornal de Notícias» publicava a seguinte notícia de Penafiel
Em Penafiel
Numerosos
alunos da Escola Industrial de Penafiel desfilaram pela cidade, debaixo
de copiosa chuva, em direcção ao Regimento de Artilharia 5, onde
apresentaram o seu incondicional apoio e a mais franca adesão à Junta de
Salvação Nacional.
Por
sua vez a Câmara Municipal resolveu enviar um telegrama cujo teor é o
seguinte: «Ex.mo sr. general António de Spínola, presidente da Junta de
Salvação Nacional. Primeira reunião ordinária após 25 de Abril, Câmara
Municipal de Penafiel, por proposta seu presidente, deliberou, por
unanimidade, sincera e leal colaboração Junta Salvação Nacional,
contribuindo bem-estar todos os portugueses».
In “Jornal de Notícias” do Porto 6 de Maio de 1974
ASSALTADO O ESTABELECIMENTO
de um democrata penafidelense
Aconteceu
em Penafiel, por volta das 14 horas e meia. Nas montras do
estabelecimento de fotografia que o sr. António Guimarães, nosso
solicito correspondente naquela cidade, possui na sua residência, à Rua
do Paço, 32, ostentava-se vária propaganda que o seu coração de
democrata de sempre guardara, religiosamente, durante todos esses anos
em que não fora possível exibi-la com a liberdade dos dias actuais. Eram
imagens do que fora a acção das Forças Armadas em Penafiel na data
histórica do 25 de Abril; era a reprodução de uma gravura de 1958,
mostrando o general Humberto Delgado, líder liberal de então, numa das
suas atitudes de tribuno, e, logo a seguir, um cartaz com a afirmação de
que ele fora vítima de assassínio perpetrado pela polícia política. Na
outra montra do estabelecimento, junta de profusa documentação do
Movimento Democrático de Penafiel, incluindo convocatórias de reuniões,
um documento chamando a atenção dos colaboradores da Imprensa para
certas formas de propaganda atentatórias da verdade, mediante
«informação» obtida em condições mais ou menos suspeitas e através de
«informadores» que o não eram menos.
De
repente, desembocou na estreita rua, um grupo de estudantes da Escola
Industrial de Penafiel, miúdos de onze / doze anos como que
«enquadrados» por graúdos bastante mais «espigados». Vinham, também –
segundo apurámos «in loco», mediante o depoimento de testemunhas
oculares e «auriculares» - funcionários administrativos daquele
estabelecimento de ensino, bem como pessoal serventuário, uns e outros
ostentando cartazes e cantando estribilhos contra o sr. António
Guimarães e favoráveis ao director da Escola. Parando em frente do
estabelecimento do primeiro, os graúdos entraram ali, exigindo da filha
do proprietário – no momento ausente em outro local – que da montra
fosse retirado o tal documento de alerta, »se não quebrariam os vidros
da montra»… Ao mesmo tempo, na rua, indivíduos do sexo feminino,
supostamente alunas da Escola, proferiam insultos contra o sr.
Guimarães, ofendendo-o, inclusivamente, na sua honra de marido e de
filho. E era uma menina mestiça quem, na circunstância, mais se
evidenciava em tal linguajar.
INTERVANÇÕES OPORTUNAS
Entretanto,
várias pessoas da vizinhança, muito justamente indignadas com o que se
estava a passar, intervieram, evitando assim que os manifestantes
levassem por diante as suas ameaças, talvez prestes a concretizarem-se,
uma vez que chegaram a agarrar pelos braços a filha do proprietário do
estabelecimento, tentando forçá-la a retirar da montra o documento já
citado, ao mesmo tempo que insultavam a mãe da jovem, senhora muito
doente e que, por isso, se sentiu mal.
Valeu
às duas senhoras, na emergência, a intervenção oportuna dos srs.
Valentim Bessa Moreira, finalista do Liceu, e Augusto de Sousa
Magalhães, funcionário do Grémio do Comércio, os quais foram unânimes em
afirmar que «eles entraram por aqui dentro e, enquanto uns invadiram
tudo, outros batiam nos vidros da montra».
Segundo
contaram ao último, «a ordem que traziam era de partir os vidros, se o
papel não fosse retirado». Referiu, ainda, o mesmo sr. Magalhães, que
«uma professora só saiu do local quando o aspirante João Lima – que
pouco depois +assara perto, a caminho da instrução, com alguns soldados,
e cujo auxílio fora solicitado – do R. A. L. 5, lhe mostrou a fotocópia
do documento».
A
partir da intervenção do referido aspirante do R.A.L. 5, os ânimos
aquietaram-se. Com efeito, aquele aspirante a oficial, fazendo uso de um
megafone, avisou os assaltantes de que poderia ver-se obrigado a
prendê-los, se não respeitassem o direito de cada um manifestar
desassombrada e livremente as suas opiniões, quanto mais invadindo-lhe a
casa e ameaçando a família!
CONFIRMANDO
Não
quisemos regressar ao Porto sem, primeiramente, contactarmos alguém
responsável da Escola Industrial de Penafiel. Dirigimo-nos, pois, ali, a
fim de entrevistar o respectivo director, sr. Dr. Aurélio Tavares, para
nos confirmar – ou não – que a manifestação contra o sr. António
Guimarães fora realizada por alunos da sua Escola. Pretendíamos, ainda,
entrevistar, se possível, alguns desses mesmos alunos – pretensão que
somente o director de um estabelecimento de ensino pode autorizar.
Infelizmente, não conseguimos avistar-nos com ele porquanto, por
informação ali recebida, «já fora para casa».
Assim,
falámos com uma senhora que se nos apresentou como chefe da Secretaria,
a qual confirmou que, efectivamente, «os alunos, tendo conhecimento de
que na montra dum estabelecimento estava um papel com declarações
contrárias ao que pensavam ser a verdade, dirigiram-se ali para que tal
papel fosse retirado». Ao que nos pareceu, a nossa interlocutora
desconhecia terem-se dado os incidentes cuja gravidade acabamos de
referir. Porém, com o à vontade que marcava as suas palavras, deu-nos
também a impressão de que não se apercebera de que a liberdade de
pensamento e sua manifestação ordeira não é, apenas, apanágio de uns
quantos «eleitos da Fortuna» - mas de todos os Portugueses de boa
vontade!
In Jornal de Notícias” de 8 de Maio de 1974
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